O "Cafe de La Gare", «que o povo, de sentido mais prático, passou a chamar Cafe "La Gare"» terá aberto as suas portas, pela primeira vez, em finais de 1908, no, ainda, Largo de Camões, 5 (actual Praça D. João da Câmara) em Lisboa, mesmo ao lado da "Estação do Rossio". Vinha substituir a antiga "Livraria Tavares Cardozo (Viúva)" - ex "Livraria Editora" de "Mattos Moreira & Cardoso" - que tinha encerrado no início de 1908.
O inquilino anterior, ainda a "Livraria Editora" de "Mattos Moreira e Cardoso", futura "Livraria Tavares Cardozo (Viúva)"
O fundador, e primeiro proprietário do "Cafe de La Gare" foi o professor catedrático da "Escola Superior de Medicina Veterinária" Dr. João Rodrigues de Oliveira Junior, que mandou proceder às necessárias obras de adaptação e à abertura da cave para instalação da cozinha e armazém. A construção da fachada exterior e interiores foi da responsabilidade do afamado construtor civil José de Passos Mesquita (inscrito na CML com o nº 187), o mesmo que construiu a fachada e interior da "Perfumaria da Moda" em 1909, na Rua Nova do Carmo, a "Colónia da Sineta" em Caxias em 1910, a alfaiataria "Piccadilly" na Rua Garrett, em 1912, o "Teatro Politeama" em 1912, etc ...
«No Cafe La Gare, na esquina do Largo Camões encontram-se os revolucionários. Passam pela espingardaria, sem medo de serem vistos experimentado armas, e seguem para um cantinho do quase contíguo Cafe Gelo, onde são saudados como heroes pelos estudantes da recente greve acadêmica de 1907»
Em 22 de Novembro de 1920, a revista "Ilustração Portugueza" classificava, assim, os principais cafés de Lisboa:
« "A Brasileira", do Chiado, e o "Martinho" são cenaculos de escritores, jornalistas e artistas; O "Chave de Ouro" e "A Brasileira", do Rocio, são os pontos de reunião de politicos; O "Suisso" é o dos toureiros; O "La Gare", talvez pela excelencia dos seus bancos almofadados, dos «flirteurs»; e O "Royal" dos estrangeiros. Cada um tem a sua «élite», as suas personalidades, os seus ídolos. Na "Brasileira", do Chiado, e no «Martinho» as discussões são, em geral, suaves e ponderadas - gente que procura «marcar» com frases feitas ...- e no marmore das mesas ha sempre exposições de coisas de arte, que certos mocinhos arrancam ao lapis em momentos de prenhez artistica; No "Chave d'Ouro" e na "Brasileira", do Rocio, a normalidade é tumultuosa e oferece, por vezes, aspectos de costelas duns friccionadas a poder de bengaladas por outros mais intransigentes; No "Suisso" as conversações atingem o meio-termo entre as destes; No "La Gare" são adocicadas, melifluas, em segredo ... como devem ser no Paraíso ... e assim por deante.»
Em 28 de Janeiro de 1928, já era, de novo, propriedade da "Sociedade Portuguesa de Cafés, Lda." que tambem era proprietária da "CHIC"
Por outro lado, Eduardo Sucena, confessava numa palestra no café "Martinho da Arcada" em 5 de Março de 1988 e publicada na revista "Olissipo":
«Quero fazer-vos uma confissão: tenho saudades daqueles anos, não muito distantes, em que se andava por Lisboa, à noite, sem receio de sermos assaltados, agredidos, espoliados; em que os cafés estavam abertos até à meia-noite, ou até mais tarde; em que sabíamos onde encontrar amigos para cavaquear; em que depois de uma folia, se podia ir cear, pacatamente, por exemplo ao La Gare (hoje Beira Gare), em frente da Estação do Rossio, que estava aberto até às 4 horas da manhã e, se fosse preciso, até ao nascer do Sol; ou, ainda, em que se podia ir beber um caldinho (mistura de café com aguardente, canela e limão) ao quiosque que havia nos Restauradores, quase em frente do elevador da Glória; ou em que se ia ao mercado da Ribeira Nova beber cacau quente, altas horas. Em que, enfim, Lisboa, à noite, era dos boémios e de outros noctívagos pacíficos, porque, hoje, é quase exclusivamente dos marginais ...»
A situação do café "La Gare" era verdadeiramente privilegiada, pois, no local mais concorrido da Baixa, ele acolhia, os passageiros que, provenientes de diversas origens, saíam da principal estação ferroviária de Lisboa. Acresce ainda que, durante muitos anos, o "La Gare" estava aberto tanto de dia como toda a noite. Toda a Lisboa boémia se recorda, certamente das magnificas ceias servidas no "La Gare", após a saída do teatro, do cinema ou do baile, e, porque não, de qualquer outra diversão ...
1936
Mas, a reputação do "Café La Gare", resultou, principalmente, do esmero e da técnica particular e única com que eram confeccionados os seus produtos tradicionais : a magnífica «Canja La Gare», o delicioso «Bife La Gare» e o puríssimo lote de cafés finos «La Gare», que tiveram sempre grande fama, apesar da casa ter conhecido até 1945, diversos proprietários.
E, assim, o café sofreu outro trespasse, sendo novamente tomado pela "Sociedade Portuguesa de Cafés", a qual, por sua vez, o veio a trespassar, em 1938, à "Sociedade Comercial Freiriense, S. A. R. L..", actuál proprietária.
Nos três anos seguintes, o café atravessou uma situação difícil devido, sobretudo, a dificuldades financeiras e a certos desleixos, como o da clientela não ser devidamente seleccionada.
Ao terminar o ano de 1941, entrou-se, porém, em nova vida administrativa.
Tendo sido feitas várias cedências de acções, a Sociedade conheceu novos accionistas e também uma nova Direcção, que foi constituida pelos Srs. David Pinto da Gama, Manuel Simões Leitão e Dr. José Simões Leitão.
Posta a casa em ordem, dadas instruções rigorosas sôbre a admissão de clientes, a orientação da nova direcção foi "aferida" pelo lema "servir bem", tanto em qualidade como em preço. A melhor propaganda de um produto é a que é feita pelos próprios consumidores.
Sem querer modificar as antigas linhas arquitectónicas do estabelecimento, a Direcção actual tem procurado modernizar as sua instalações de modo a oferecer aos seus clientes, embora sem luxo, o máximo de comodidades.
O Café La Gare foi inicialmente, frequentado por toureiros, mas entre os seus clientes predominaram sempre os negociantes de gado.
Actualmente, embora seja um café essencialmente popular, é frequentado por pessoas e famílias de tôdas as categorias sociais». in: "Praça de Lisboa" (1945)
O cidadão Carlos Leitão, num comentário ao "Beira Gare" em 29 de Fevereiro de 2016 ...
«Para quem não sabe o Beira-Gare existe neste formato desde finais de 1976. Anteriormente o Beira-Gare funcionava como um restaurante tradicional da baixa lisboeta. Abria às 06:30 da manhã e fechava por volta da 01:00. Era famoso pelo bife à Beira-Gare (melhor do que o da Trindade, Portugália e afins), pela sua canja, pratos de bacalhau e o pudim flan. Às 06:30, quando abria, era "invadido" pelos notívagos de Lisboa, de cabarés e similares, que "jantavam" àquela hora antes de se deitarem. Ao almoço a clientela era variada, destacando-se os bancários. Havia. Tempo para almoçar. À tarde e ao jantar surgiam os intelectuais, os artistas e outras figuras conhecidas. No início dos anos 40 chamava-se La Gare, mudando o nome para Beira-Gare ainda nessa década. De 1941 a 1976 manteve a mesma direção. Foi trespassado em 1976 e passou a funcionar como cervejaria/tasca. Foi mais um dos restaurantes de Lisboa que, embora reaberto com outro nome, alterou a sua configuração e o tipo do seu serviço. Hoje já não se faz o bife à Beira-Gare como antigamente (o segredo do molho perdeu-se e só existe na memória dos antigos clientes). Perdeu-se na qualidade, ganhou-se na comida gordurosa.»
O café "Beira Gare", entre 1941 e 1976, manteve-se na posse da firma "Sociedade Comercial Freiriense, S. A. R. L..", altura em que foi trespassada, e actualmente é propriedade da firma "Gonçalves, Martins Lourenço & Brandão, Lda.".
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais)