Restos de Colecção: A Boa Construtora

14 de fevereiro de 2012

A Boa Construtora

Ao contrário do que o nome possa indicar não se trata de uma empresa de construção civil, mas sim da firma “A Boa Construtora - Fábrica Nacional de Relógios Monumentais”.  fundada em 1930 por Manuel Francisco Cousinha, na Rua Capitão Leitão, em Almada, que fabricava relógios monumentais sobretudo para monumentos públicos e igrejas. Chegaram a trabalhar 40 operários nesta oficina no pós guerra.

Para matar o tempo, que passava devagar nos anos em que era pastor, Manuel Francisco Cousinha inventou e construiu uma máquina para o medir. O seu primeiro relógio era feito de casca de carvalho, folha de flandres e um chocalho de cabra, no lugar da campainha. O inventor, que, na altura, tinha apenas nove anos, viria a trabalhar como ajudante de um relojoeiro da Rua da Prata.

                                                              Manuel Francisco Cousinha

                                                                

Durante a Primeira Grande Guerra foi para França e, depois de vários meses de campanha, instalou-se perto da Suíça, onde adquiriu novos conhecimentos com os fabricantes de relógios. Terminada a guerra, voltou a Portugal, onde, definitivamente, se dedicou à relojoaria.

                                         Instalações originais, na Rua Capitão Leitão, em Almada

                              

                                      No mesmo terreno foram construídas as novas instalações

                                                            

Há relógios de “A Boa Construtora” pelo país, ex-colónias e Brasil. Quem viajar pela zona centro de Portugal, nomeadamente no concelho de Arganil, encontra relógios fabricados por esta firma na torre das igrejas de várias aldeias, o que para quem é natural de Almada deixa algum orgulho. Em Lisboa podemos também ver relógios fabricados em Almada, no Arco da Rua Augusta, no Museu Militar e no Mercado 24 de Julho.

                                               Alguns exemplos de relógios carrilhões mecânicos

   No Instituto Superior Missionário em Carcavelos              Na Basílica do Sagrado Coração de Jesus, em Viana

 

1ª foto: Relógio mecano-horário, de corda electro-automática, de horas, repetição e meias horas.Este relógio que movimenta ponteiros em 4 mostradores exteriores, dispara automáticamente um repique num sino de 150 quilos conforme o horário das entradas e saídas das aulas no Instituto Superior Missionário do Espírito Santo, em Carcavelos.

2ª foto: Relógio mecano-carrilhão, de corda electro-automática, de horas, repetição, meias horas e quartos, estes anunciados musicalmente em 5 sinos, pela introdução do hino "Coração Santo".
Está munido duma roda astronómica que permite o dispare automático das Avé-Marias musicadas pela máquina-carrilhão apresentada noutro local, de manhã, ao meio dia e ao Pôr do sol; as horas, repetição e meias horas são matraqueadas num sino de 960 quilos com a nota Fá. Instalado na Basílica do Sagrado Coração de Jesus, no Monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo.

          Na Igreja de Gabela - Amboim - Angola                    Na Empresa Fabril de Malhas do Calhabé, em Coimbra

 

3ª foto: Relógio mecano-carrilhão, de horas e quartos, estes anunciados musicalmente em 4 sinos devidamente afinados, pelo Westeminster do Big-Ben de Londres; toca ás horas automática e alternadamente, as melodias " A Treze de Maio " e " Ó Mãe Ternura ", em oito sinos afinados com o peso total aproximado a 700 quilos. O próprio relógio interrompe automaticamente de noite o toque das melodias, recomeçando de manhã.

4ª foto: Relógio mecano-fabril, de horas e meias horas, com movimento de força constante e oito dias de corda, possuindo dois dispositivos: o dispositivo de relógio-padrão, destinado ao comando de diversos relógios eléctricos secundários, de minuto a minuto e o dispositivo-horário, para o comando duma sirene eléctrica, que por meio de diversos alarmes, indica a entrada e a saída do pessoal fabril.

Famosos ficaram os carrilhões fabricados por esta firma, como o retratado nas fotos seguintes para a nova Igreja de Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 8 de Dezembro de 1947 na Praça Marquês de Pombal na cidade do Porto. Fabricado em 1947, tratou-se do maior relógio-carrilhão mecânico construído em Portugal, por Manuel Francisco Cousinha.

                               

Características:

Relógio-carrilhão de horas e quartos, sendo estes devidamente musicados e anunciados pela parte coral do hino «A Treze de Maio».
As horas são dados em acorde de três sinos, devidamente afinados, e seguida a estas, tem lugar a introdução do aludido hino.
Ao toque da meia hora, seque-se a melodia «Salvé Rainha».
Além do discriminado, o mesmo relógio toca as Avé-Marias musicadas: ao nascer do Sol, seguida a nove badalados em três séries, a melodia «A Virgem Pura»; ao meio dia, depois de iguais badaladas, o hino «Salvé Nobre Padroeira, Imaculado Conceição»; ao pôr do Sol, depois de outras nove badaladas a melodia «Com Minha Mãe Estarei». No outro dia ao nascer do Sol, em vez de a «Virgem Pura», ouvimos a melodia «Senhora Nossa».
Ao pôr do Sol passa a ser a «Virgem Pura» em vez de «Com Minha Mãe Estarei» e assim sucessivamente, o fenomenal relógio, vai tocando estas três melodias ao nascer e ao pôr do Sol alternadamente.
O hino «Salvé Nobre Padroeira» é sempre ao meio-dia, em homenagem à Imaculada Conceição.
O mesmo relógio contém ainda um electroíman junto do disparador, que por meio dum contacto eléctrico feito no sacristia, põe em andamento um dos cilindros musicais, ouvindo-se o toque automático de todas as músicas nele gravadas, em dias festivos ou de visitas.
Funciona por meio de sete pesos cuja ascendência é feita automaticamente.
As suas dimensões são de 3,70 x 1,50 x 1,00 metros, comprimento, largura e altura respectivamente e pesa cerca de três mil quilos.
As sete músicas apresentadas, são tocadas automática e mecanicamente em dezoito sinos rigorosamente afinados com o peso total de sete mil quilos aproximadamente.
O relógio discriminado que movimenta ponteiros em 4 mostradores exteriores, está instalado na torre da Igreja da Nossa Senhora da Conceição no Porto e constitui mais um retumbante êxito da indústria nacional, sob a direcção técnica de Manuel Francisco Cousinha
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Actualmente  torre da Igreja de Nossa Senhora da Conceição contém ao nível dos mostradores um relógio fabricado pela "A Boa Construtora", montado sobre uma estrutura com 3,7 m de comprimento, 1,5 m de largura e 1,0 m de altura pesando cerca de 3 toneladas. Este relógio que comandava os quatro mostradores, controlados agora pelo sistema informático, pode assinalar as horas, quartos e meias horas, actuando sobre o carrilhão e ainda tocar as “Avé-Maria".

               Igreja de Nossa Senhora da Conceição                             O carrilhão actualmente

          

No seu interior está instalado um carrilhão constituído por dezoito sinos, confeccionados pela "Fundição de Sinos de Braga", cujo peso ronda as oito toneladas. Este carrilhão pode ser comandado por uma pedaleira, pelo relógio e por um sistema informático que possui também associado um teclado, permitindo, a pedaleira e o teclado, a actuação de carrilhonistas aumentando, assim, a capacidade do carrilhão em termos de repertório musical. O sistema informático permite a programação de um repertorio com 154 melodias.

                  

O relógio do Arco da Rua Augusta, em Lisboa, tem, também, a “mão” de Manuel Cousinha. O relógio data de 1941, altura em que ainda não tinha corda automática, pelo que necessitava de funcionários que, algumas vezes por semana, lhe dessem corda e o acertassem. Mais tarde, Manuel Francisco Cousinha, inventou um mecanismo de corda automática que tinha por base o mercúrio. Mesmo assim, por questões climáticas, como a humidade e, também, a falta de verbas para manutenção, o relógio foi-se degradando e, além de parar constantemente, atrasava-se ou adiantava-se. Este relógio em 2007 foi totalmente recuperado e posto de novo a funcionar por Luís Manuel Cousinha, neto do fabricante do mecanismo e seguidor dos passos do avô e do pai. Esta recuperação e restauro ficou a dever-se ao mecenato da “Torres Distribuição”, a marca de relógios suiça “Jaeger-leCoultre” e o Igespar (Instituto para a Gestão do Património).

                                                     Relógio do arco da Rua Augusta, em Lisboa

                            

A título de curiosidade transcrevo a acta da secção da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Penamacor, distrito de Castelo Branco, de 20 de Junho de 1955, sob a presidência do tenente-coronel João Maria Prazeres Milheiro, em que se descreve o contrato de fornecimento de um relógio-carrilhão à “Boa Construtora”:

«A Fábrica Nacional de Relógios Monumentais - «A Boa Construtora» de Manuel Francisco Cousinha, sita em Almada, Portugal, compromete-se a construir e colocar na Torre do Castelo de Penamacor, Distrito de Castelo Branco, , um Relógio-Carrilhão de horas e quartos, estes musicados pelo Westminster de Londres, com repetição de horas, acompanhado de todos os acessórios incluindo um mostrador de cristal fosco para horas luminosas, com dois metros de diâmetro assente em chassis de ferro, conforme desenho enviado, um quadrante e dois ponteiros exteriores de alumínio, e bem assim quatro sinos de bronze campanil, devidamente afinados com as notas musicais, DÓ - FÁ - SOL - LÁ, com o peso total aproximado de 549 Quilos, munidos de cabeçalhos de madeira de mogno, veios de suspensão e toda a restante ferragem de fixação, pela quantia total de 88.070$00 (Oitenta e oito mil e setenta escudos).
Condições: - Ficam por conta da Fábrica, a embalagem, o seguro, o despacho e o transporte de todo o material até à Torre, ficando por conta do cliente, todos os trabalhos e materiais de construção civil que forem necessários, incluindo a construção dos pesos de funcionamento, de pedra ou de cimento e a instalação eléctrica do mostrador.
Prazo de fornecimento: - Imediato.
Pagamento: - 26 contos depois de tudo a funcionar e o restante em duas prestações periódicas dentro de três anos.
Garantia: - Quinze anos, contra todos os defeitos de construção e montagem, mediante um certificado onde fica assumida a responsabilidade.
Almada, 29 de Maio de 1955 » in: Relógios de Torres e Sinos

Esta fábrica de relógios que dava horas a Almada, tinha as suas oficinas no rés-do-chão do prédio da foto. Era objecto da curiosidade das pessoas que passavam pelo local e sobretudo dos miúdos das Escolas Primárias Conde Ferreira, existentes na proximidade. Actualmente o edifício está desactivado para a produção e encontra-se alugado.

                                                  

Fotos, características técnicas excertos de textos  in: Relógios de Torres e Sinos, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, AlmaDalmada

Deixou de produzir depois do 25 de Abril de 1974, devido às complicações da Revolução então em curso.

A continuidade do trabalho de relojoaria tem sido mantida pelo neto Luís Manuel Cousinha Vasconcelos Forra com oficina de restauro e assistência técnica aos relógios de "A Boa Construtora" instalados pelo país, através da "Cousinha - Electromecânica e Informática, Lda.", fundada em 27 de Julho de 1999 em Marisol - Corroios.

Como o nome indica, a empresa alargou as suas actividades aos computadores, mas continua a garantir a manutenção e reparação de dezenas de relógios mecânicos de torre, provenientes de muitas igrejas e edifícios públicos. Apesar de ser hoje possível substituir estes mecanismos por sistemas computorizados, algumas pessoas preferem manter o funcionamento antigo, o que justifica , o trabalho da oficina.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Deixou de produzir depois do 25 de Abril de 1974, devido às complicações da Revolução então em curso", mais uma !

aviador disse...

Há quem diga que foi íncuria do ou dos herdeiros.