Restos de Colecção: Neutralidade Portuguesa na II Guerra

14 de fevereiro de 2011

Neutralidade Portuguesa na II Guerra

Quando se inicia a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1939, a Europa divide-se em dois blocos, de um lado os Aliados - a França e a Inglaterra, que apoiam a Polónia - do outro a Alemanha (a Itália, aliada política da Alemanha, com a qual formava o "Eixo", só viria a entrar no conflito em 1941). Portugal declara imediatamente a sua neutralidade.

No Diário de Notícias de 2 de Setembro de 1939, podia-se ler nesta nota do governo ao país …

Felizmente, os deveres da nossa aliança com a Inglaterra, que não queremos eximirmos a confirmar em momento tão grave, não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de neutralidade.
O governo considerará como o mais alto ou a maior graça da Providência poder manter a paz para o povo português, e espera que nem os interesses do país, nem a sua dignidade, nem as suas obrigações lhe imponham comprometê-la.” …

… “A todos se impõe viver a sua vida, mas agora com mais calma, trabalho sério, a maior disciplina e união; nem recriminações estéreis nem vãs lamentações, porque em muito ou pouco fique prejudicada a obra de renascimento a que metemos ombros. Diante de tão grandes males, faz-se mister ânimo forte para enfrentar as dificuldades: e da prova que ora derem, sairá ainda maior a Nação."

Manifestação de apoio à neutralidade portuguesa e a Salazar em 1940

 

No âmbito do interesse nacional, a aliança inglesa é firmada, mas de forma a não embaraçar a nossa liberdade de movimentos. Sucessivos pedidos dos ingleses, nomeadamente os de ser suspensa a emissão de boletins meteorológicos que se referissem às condições nos Açores, ser autorizado o trânsito de soldados e munições inglesas por Moçambique, ser proibido o desembarque de alemães em Portugal, são sucessivamente recusados. Fizeram-se diligências diplomáticas no sentido de evitar que a Espanha entrasse no conflito ao lado das potências do Eixo, porque essa situação, trazendo a guerra à Península, dificultaria ou inviabilizaria a neutralidade portuguesa. A posição que o Governo português toma em relação à questão do fornecimento do minério de volfrâmio mostra bem a sua posição: aos protestos ingleses contra a venda de volfrâmio aos alemães o Governo português responde com uma contraproposta, a de deixar de vender este minério tanto aos alemães como aos próprios ingleses, o que não foi por estes aceite.

Em Janeiro de 1940 é lançado em Portugal o “Mein Kampf”

e em 1943, na secção de turismo dos Caminhos de Ferro Alemães, na Rua Garrett em Lisboa …

        

como refere o anúncio “informações gratuitas de toda a espécie … “.

Portugal conseguiu permanecer fora da guerra numa situação de "aliado não activo", que ambos os blocos acatam, já que é do seu interesse, no que respeita ao território metropolitano. Contudo, esta situação não será possível para os territórios dos Açores e Cabo Verde, de enorme importância estratégica para a guerra marítima. Os americanos e os ingleses pretendem instalar-se nessas posições, mas a diplomacia portuguesa envida todos os esforços no sentido de dificultar operações desse género, pelo menos enquanto a sorte final do conflito permanece indecisa. Em 18 de Agosto de 1943, e após longas negociações, quando já se adivinha a derrota alemã, é assinado um acordo secreto que concede aos ingleses facilidades militares nos Açores. A 8 de Outubro desse ano, tropas inglesas desembarcam nos Açores, enquanto Salazar informa o Governo espanhol do facto, e obtém deste o compromisso de que o Exército espanhol se oporia caso a Alemanha resolvesse atacar Portugal. Temeu-se também que a Alemanha pudesse atacar os Açores, e foi para aí enviado um corpo expedicionário português; em todo o caso, o risco valia a pena, face à fraqueza alemã, e o certo é que os Açores não foram atacados.

Comunicado na imprensa portuguesa em 1942

Entretanto, os americanos pretendem também beneficiar das facilidades concedidas aos ingleses mas o Governo português a tal se opõe, pois não existe nenhuma aliança que ligue Portugal aos Estados Unidos. Finalmente o acordo: os americanos terão o que pretendem, mas comprometem-se a ajudar Portugal na recuperação de Timor-Leste, que tinha sido ocupado pelos australianos (1941) e depois pelos japoneses (1942). A Austrália estava interessada em tomar posse do território e americanos e ingleses tiveram de fazer pressão sobre o Governo australiano para que os direitos portugueses fossem respeitados e quando terminou a guerra a possessão foi restituída à soberania portuguesa.

A exposição do 10º aniversário do Terceiro Reich, em 1943 …

 

 

fotos in : Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian

Do ponto de vista do equilíbrio entre as importações e exportações a posição de neutralidade portuguesa permitiu-lhe que nos anos de 41, 42 e 43 as exportações ultrapassassem as importações, facto que não se verificava desde há dezenas de anos, e nunca mais se viria a verificar.

Esta hábil gestão da neutralidade portuguesa trouxe-lhe, no final do conflito, os benefícios da paz sem ter de pagar o preço da guerra. A posição do Governo espanhol foi em grande parte definida pelas relações com Portugal, e a elas se deve o facto da Espanha não ter entrado no conflito ao lado do Eixo. O bloco ibérico foi o contrapeso utilizado nas relações com a Inglaterra, conduzidas de forma a que a aliança saísse reforçada e que a independência portuguesa fosse reconhecida quer pela Inglaterra, quer por Espanha. Portugal foi uma das raras zonas de paz num mundo "a ferro e fogo", e serviu de refúgio a muitos foragidos de variadíssimas proveniências. Um desses refugiados foi o arménio Calouste Gulbenkian, que se fixou no nosso país tendo legado a sua fortuna para a constituição da Fundação com o seu nome, a qual se tornou uma das mais notáveis instituições ao serviço da cultura em Portugal.

Tentando tirar partido da nossa neutralidade, os nossos navios apresentando a bandeira e identificação do nosso país, pintados no casco, tentavam navegar incólumes no Oceano Atlântico,  o que nem sempre conseguiram e alguns foram afundados, tanto navios de carga como bacalhoeiros.

Paquete ‘Lourenço Marques’ no Funchal, com a bandeira e identificação pintados no casco

Tanto os serviços ingleses como os alemães mantiveram em Lisboa uma intensa actividade secreta, não sendo de excluir a presença de espiões americanos. Todos compartilharam esta Casablanca da Europa a fim de prestarem as informações que a cada um dos países interessaria obter.
Esta placa giratória que foi Lisboa durante os anos do conflito, inspirou decididamente, poucas lendas, mas foi ponto importante para os serviços secretos de todos os países envolvidos na guerra.

Um caso que não levantou clamor e que foi prontamente calado foi o do dactilógrafo português que trabalhava na Embaixada de Portugal em Londres, junto de Armindo Monteiro, e que sendo preso como espião nazi, foi condenado à morte, para mais tarde ver comutada a pena para prisão perpétua. Por ele poderia Hitler ter tomado conhecimento antecipado dos planos para a concessão de facilidades às forças militares aliadas nas ilhas dos Açores.

Nos dancings e nos night clubs, o Intelligence Service procurava dados muitas vezes menos políticos e mais de ordem industrial. Quanto aos espiões alemães estavam por todo o lado, havendo-os nos hotéis, nos cafés e esplanadas e nos meios de transporte. Procuravam sobretudo obter informações entre judeus que tinham conseguido fugir dos pogroms e campos de concentração e que de qualquer maneira tinham chegado até ao Atlântico. E não perdiam a oportunidade de sondar entre as inúmeras estrangeiras que a legação inglesa em Lisboa mantinha com modesta ajuda semanal, vindas de todos os países da Europa e da Ásia.

1940

mas, como sempre ….

1940

3 comentários:

António Fragoeiro disse...

Fantástica página, muito bem construida.
Se estiver interessado, verifique a página da minha colecção.
www.myww2museum.blogspot.com

Cumprimentos

José Leite disse...

Caro António Fragoeiro

Grato pelas suas amáveis palavras

Cumprimentos

José Leite

jotajotinha1 disse...

Excelente síntese analítica.Saudaçoes académicas. João Frada